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Paisagens Interrompidas

O fotográfico de Giovanna Nucci leva o observador para novas percepções do que conhece como paisagem e natureza. Elegendo tal gênero tradicional da história da arte, a artista catarinense radicada em São Paulo não abre mão das ferramentas atuais – o clique fotográfico, um dos mais onipresentes procedimentos desta sociedade da informação/imagem, e a pós-produção, por exemplo – para apreender tal natural, mas, de certa forma, trabalha com habilidade o que há de mais sólido no fazer artístico: o olhar do autor.

Artista contemporânea, Giovanna não abre mão de esgarçar os limites da linguagem que escolheu, mesclando-a a formatos e meios outros, como a instalação, o tridimensional, a pintura e o livro. Por isso, não estamos falando só da fotografia – aquela emoldurada em paredes, estanque em um preto e branco, tributária do ‘instante’ fotojornalístico ou das luzes do fogo-fátuo publicitário. O fotográfico é mais amplo e se fortalece ao aproximar-se das artes visuais, como atestam as melhores mostras e eventos da linguagem mundo afora.

Em Paisagens interrompidas, a artista capta algumas de suas principais imagens iniciais nas cataratas de um parque nacional, um lócus dos mais famosos no Brasil para retratar paisagens. A partir desses registros é que Giovanna tem um exaustivo labor em construir imagens mais adequadas ao que ela pretende investigar e abordar. Depois de variadas captações, é em seu ateliê que ela edita, secciona, amplifica, incrementa, colore e faz outros tantos procedimentos para chegar a um ponto em consonância com o que deseja no âmbito pessoal.

Por isso, também em outra série, em que paisagens tipicamente brasileiras, parecidas com as eternizadas nos traços de artistas-viajantes como Frans Post (1612-1680) e Thomas Ender (1793-1875), entre outros, viram um tipo de matéria-prima para Giovanna embaralhar os conceitos de pictórico e de fotográfico. Ao mesmo tempo, na série das corredeiras, ecoam tons e sensações presentes em obras-primas do romantismo europeu, como Forêt Vierge du Brésil (c. 1819), do Conde de Clarac. Tanto nela como nas grandes composições de Giovanna, transparece “a luta do homem contra uma natureza indomável” 1, de acordo com o comentário da especialista Letícia Squeff a respeito da tela francesa do século 19.

Contudo, a artista brasileira opta por enveredar pelo caminho entre o bidimensional e o tridimensional ao propor a instalação presente em Paisagens interrompidas. As torrentes e os fluxos aparentemente sem controle no ‘ao vivo’, se apresentam aqui dentro de um cubo branco em escalas, posições, focos e sensações mais quietas e a serviço da visada subjetiva da artista. Com isso, ela lida em sua poética com relações entre o natural e o construído, o ostensivo e o lacunar, o ruidoso e o silente, o sublime e o terreno, entre outros vetores da produção. No conjunto exibido, portanto, Giovanna Nucci traça elos com inquietudes do fotográfico em destaque hoje, nas produções de nomes como Wolfgang Tillmans e Timm Ulrichs a respeito da paisagem, e obtém um desasossego quase vital no corpus de um autor contemporâneo.

Assinatura Giovanna Nucci

Mario Gioia, maio de 2016  1. BROWNLEE, Peter John. PICCOLI, Valéria. UHLYARIK, Georgiana (org.). Paisagem nas Américas. Art Gallery of Ontario, Pinacoteca do Estado de São Paulo, Terra Foundation for American Art/Yale University Press, Toronto, 2015, p. 71